Natália Soriani*
Crescem diariamente as queixas de consumidores brasileiros sobre as rescisões unilaterais de contratos de planos de saúde. Os registros são feitos na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos órgãos de defesa do consumidor. Tal cenário persiste mesmo após um acordo informal anunciado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), com as operadoras de planos de saúde, no intuito de suspender os cancelamentos e alterações contratuais unilaterais. Este acordo, que contou com a presença do presidente da ANS, Paulo Rebello Filho, visava estabilizar o setor enquanto se negociava um novo marco legal para a saúde suplementar no Brasil.
Mas nem esse acordo foi suficiente para estancar esse grave problema na saúde do país. Em julho, a ANS registrou 1.389 queixas de rescisões unilaterais, um número que permanece elevado. Em junho, foram 1.576 queixas, e nos meses de maio e abril, o número de reclamações foi de 1.978 e 1.633, respectivamente. Até o presente momento de 2024, já foram contabilizadas 10.590 queixas de rescisões unilaterais contratuais. Esses números revelam um padrão contínuo das práticas das operadoras de planos de saúde.
Paralelamente, o Procon-SP também tem recebido um volume considerável de reclamações relacionadas a rescisões unilaterais e alterações contratuais unilaterais. Em julho, o órgão registrou 53 queixas sobre o tema, e agosto começou com 16 reclamações até o dia 7. Esses dados corroboram a percepção de que, apesar dos esforços legislativos e regulatórios, as práticas questionáveis por parte das operadoras de planos de saúde continuam a ocorrer, gerando um impacto negativo significativo para os consumidores.
A persistência dessas queixas tem mobilizado tanto consumidores quanto parlamentares, que agora buscam a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o aumento das rescisões unilaterais contratuais. A criação de uma CPI visa aprofundar a investigação sobre as causas e responsabilidades dessas práticas, bem como buscar soluções mais efetivas para proteger os direitos dos consumidores e garantir a transparência e a equidade nas relações contratuais entre operadoras e beneficiários de planos de saúde.
Esse contexto evidencia uma clara necessidade de intervenção jurídica e regulatória mais robusta para garantir que os direitos dos consumidores sejam respeitados e que as operadoras de planos de saúde atuem de acordo com as normas e princípios estabelecidos.
A questão das rescisões unilaterais de contratos de planos de saúde é uma problemática que envolve múltiplos aspectos legais e regulamentares. Inicialmente, é imperativo destacar que a legislação brasileira busca proteger os consumidores, especialmente no âmbito da saúde suplementar, onde a vulnerabilidade do consumidor é patente. A base legal primária para a análise das rescisões unilaterais de contratos de planos de saúde encontra-se no Código de Defesa do Consumidor (CDC), na Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, e nas normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A Lei nº 9.656/1998, que regula os planos de saúde, estabelece as condições para a rescisão e suspensão dos contratos. No seu artigo 13, a lei determina que os contratos de planos de saúde somente podem ser rescindidos ou suspensos unilateralmente pela operadora em casos de fraude ou inadimplência por parte do consumidor, sendo necessária a notificação prévia do consumidor para que ele possa regularizar sua situação. O artigo 13, caput, e seus parágrafos são claros quanto aos procedimentos e prazos a serem seguidos, garantindo a proteção ao consumidor contra rescisões arbitrárias.
A persistência das queixas de rescisões unilaterais evidencia uma possível falha na fiscalização e na aplicação das medidas acordadas. É crucial analisar se as operadoras estão cumprindo os requisitos legais e regulamentares estabelecidos, bem como se a ANS está efetivamente monitorando e punindo eventuais descumprimentos.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990, também é uma ferramenta importante na análise das rescisões unilaterais de contratos de planos de saúde. O CDC, em seu artigo 6º, inciso IV, assegura ao consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Além disso, o artigo 51 do CDC considera nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade.
A análise das práticas contratuais das operadoras de planos de saúde deve considerar a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual, princípios fundamentais no direito contratual brasileiro. A boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil, exige que as partes ajam com lealdade e transparência durante toda a vigência do contrato, não sendo admissíveis práticas que surpreendam o consumidor com rescisões ou alterações contratuais unilaterais injustificadas.
A ANS, como agência reguladora responsável pela saúde suplementar, possui o dever de fiscalizar e garantir o cumprimento das normativas do setor. Por isso, através de Resolução Normativa a ANS, estabelece critérios para a rescisão e suspensão dos contratos de planos de saúde, reforçando a necessidade de notificação prévia e garantindo ao consumidor o direito de contestar a rescisão ou a suspensão. A persistência das queixas sugere que pode haver uma lacuna na fiscalização ou na aplicação das penalidades previstas.
A análise crítica das práticas contratuais das operadoras de planos de saúde também deve considerar a jurisprudência dos tribunais brasileiros. Diversas decisões judiciais têm reconhecido a abusividade das rescisões unilaterais de contratos de planos de saúde, especialmente quando não há justificativa plausível ou quando não são observados os procedimentos legais e regulamentares. A jurisprudência tem se consolidado no sentido de proteger o consumidor contra práticas abusivas e garantir a continuidade da prestação dos serviços de saúde.
No contexto legislativo e regulatório atual, é fundamental que as operadoras de planos de saúde adotem práticas transparentes e que respeitem os direitos dos consumidores. A ANS deve intensificar a fiscalização e aplicar as penalidades cabíveis em casos de descumprimento das normativas. Além disso, é necessário que os consumidores sejam devidamente informados sobre os seus direitos e sobre os procedimentos a serem seguidos em caso de rescisão ou suspensão do contrato.
A persistência das queixas de rescisões unilaterais de contratos de planos de saúde indica que as medidas tomadas até o momento não foram suficientes para resolver o problema. É necessário um esforço conjunto das autoridades competentes, das operadoras de planos de saúde e dos consumidores para encontrar soluções efetivas que garantam a proteção dos direitos dos consumidores e a estabilidade dos contratos de planos de saúde. A intervenção das autoridades competentes, como a ANS e o Procon, é crucial para a proteção dos direitos dos consumidores.
A criação de um novo marco legal para o setor de saúde suplementar pode ser uma oportunidade para aprimorar a regulamentação e garantir a proteção dos direitos dos consumidores. A participação dos consumidores, das operadoras de planos de saúde, das autoridades reguladoras e dos legisladores no processo de elaboração do novo marco é fundamental para que as novas normas atendam aos interesses de todas as partes envolvidas.
*Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia
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CAIO FERREIRA PRATES
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