Danielle Gitti* e Claudia de Lucca Mano**
A crescente visibilidade da cannabis medicinal tem suscitado debates sobre a prescrição e o uso dessa substância de forma terapêutica. Recentemente, duas ocorrências chamaram a atenção para a banalização desse processo, lançando luz sobre a necessidade de regulamentação e fiscalização mais rigorosas. Em julho de 2023, um médico no Rio de Janeiro foi preso sob suspeita de tráfico de drogas e de atuação coordenada com um advogado para obtenção de autorização judicial visando o cultivo da planta. Enquanto, em junho do mesmo ano, uma falsa médica em São Paulo se autodenominou especialista em cannabis medicinal. Esses eventos ressaltam a importância de uma análise aprofundada sobre a banalização da prescrição de cannabis e suas implicações para a saúde pública e a indústria relacionada.
Trata-se de um fenômeno complexo, pois o Brasil ainda não possui uma regulamentação definitiva e nem uma educação cultural para garantir o acesso adequado à cannabis terapêutica.
Sem dúvidas, pelo aumento da visibilidade e de recentes estudos científicos que comprovam a eficácia do uso da cannabis medicinal nos tratamentos de enfermidades, ocorreu um aumento da demanda pela prescrição de CBD e THC. O CBD é um dos canabinóides presentes em maior destaque na planta e vem sendo utilizado como medicamento terapêutico como, por exemplo, no tratamento de dores crônicas e inflamatórias; tratamento para convulsões e espasmos; na redução da ansiedade e depressão. Isso, além de ser utilizado para tratar epilepsia, esquizofrenia e sintomas da diabetes. Já o tetraidrocanabinol (THC) é derivado da cannabis e encontrado na resina que advém das glândulas da planta e também traz diversos benefícios à saúde como: alívio de dores, náusea e vômitos, bem como melhora nos sintomas de incontinência.
Na tentativa de suprir esta demanda crescente, diversos profissionais, infelizmente, aproveitam da demanda crescente para prescrever medicamentos à base de cannabis, sem necessariamente conhecer a fundo as terapias e ações do CBD e do THC.
Hoje, a maioria dos pacientes se abastece de produtos através de importação direta, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição médica e autorização excepcional da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto tais produtos não possuem registro sanitário nem contam com avaliação de eficácia e segurança. Empresas de intermediação, que ajudam pessoas a importar produtos de cannabis, acabam por estimular a procura de pacientes por produtos derivados da planta, e o efeito disso é a proliferação de profissionais médicos prescritores.
Vale ressaltar que o processo de prescrição sem os devidos levantamentos necessários de investigação utilizados pelo prescritor, como exames e base científica em estudos, pode levantar questionamentos sobre o acerto da prescrição, da administração e do uso dos produtos pelos pacientes.
Importante destacar que para suprir a demanda crescente, a indústria farmacêutica tem operado em padrões limitantes e dosagens fixas, que não atendem a posologia correta do medicamento para os tratamentos. E nesse ponto que é necessário destacar que as farmácias magistrais são essenciais, pois possuem o conhecimento técnico e a infraestrutura necessária para o desenvolvimento dos medicamentos à base de CBD e THC com dosagens personalizadas para cada paciente, o que deixa o tratamento mais eficaz e também com um valor mais razoável.
Enquanto isso as farmácias de manipulação seguem impedidas de operar com o insumo de cannabis. A única via possível para que a farmácia possa para manipular legalmente é através da judicialização. O único insumo farmacêutico disponível para o mercado magistral também é resultado de um processo judicial.
No cenário atual do mercado, os preços não são competitivos, porque não há variedade suficiente de matérias primas disponíveis para uma concorrência saudável. Isso porque as farmácias magistrais estão enfrentando diversas proibições e bloqueios das autoridades sanitárias, e também na Justiça, para a manipulação destes medicamentos e isso implica em limitação às farmácias de manipulação de ofertar produtos com valores acessíveis a população.
Entendemos que para a normalização das cadeias de suprimento e do fluxo de produção é necessária uma regulamentação, não somente para coibir as prescrições indevidas, mas para regularizar as literaturas pertinentes, com objetivo da criação de normas baseadas em estudos comprovados e pareados.
Apesar de ainda não existir tal regulamentação, a Farmacann, que é uma associação com mais de 30 farmácias magistrais cadastradas, atua cotidianamente na educação profissional, padronização e aferição de qualidade dos processos de prescrição, produção e dispensação de medicamentos que contém substâncias derivadas da cannabis. Essa bagagem de informação e expertise no segmento nos faz presentes como atores de propostas e cobrança de uma atuação mais contundente e assertiva do poder público para acelerar o acesso do medicamento à base de cannabis medicinal, com preço mais acessível e com a dosagem personalizada.
*Danielle Gitti é Diretora Presidente da Farmacann – Associação para Promoção da Cannabis Medicinal Manipulada/Magistral
**Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial, atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios. Fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann – Associação para Promoção da Cannabis Medicinal Manipulada/Magistral
Este conteúdo foi distribuído pela plataforma SALA DA NOTÍCIA e elaborado/criado pelo Assessor(a):
U | U
U