Ricardo Pereira de Freitas Guimarães*
A tecnologia é uma realidade cotidiana irreversível. As plataformas, potencializadas pelos reflexos da pandemia da Covid-19, estão inseridas nas principais atividades da vida humana. São aplicativos de entrega, de transporte, de bancos, de delivery, de compras, de vendas, etc. E as relações construídas entre os trabalhadores que atuam nessas plataformas digitais vêm sendo fruto de discussões políticas e jurídicas que, aparetemente, buscam uma classificação equilibrada.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos para reconhecer que a Corte deve unificar o entendimento futuro sobre o vínculo de emprego entre motoristas de aplicativo e a plataforma Uber, a chamada repercussão geral, mecanismo que obriga todo o Judiciário a seguir o entendimento da Corte Superior após o julgamento de um caso. Após finalizar esta parte do caso, o STF marcará um novo julgamento para decidir definitivamente sobre o vínculo de emprego dos motoristas com os aplicativos. Vale destacar que no Judiciário trabalhista ainda não existe uma jurisprudência sobre o tema. Grande parte das decisões da Justiça do Trabalho reconhece vínculo empregatício dos motoristas com as plataformas, mas o próprio Supremo tem decisões contrárias.
Em paralelo, o Poder Executivo pretende encaminhar ao Congessso Nacional um projeto de lei que cria uma nova categoria de trabalhador autônomo: motorista de aplicativo. O projeto de lei que estabelece os direitos trabalhistas a motoristas de aplicativos deve ser assinado em breve pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto foi consolidado após negociação entre Luiz Marinho, Ministro do Trabalho, e os representantes de trabalhadores de aplicativos. De acordo com a proposta, a regulação do setor que determina 7,5% de contribuição no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e uma remuneração com base no salário mínimo, com reajuste anual, e pagamento por hora trabalhada de R$ 32,09 (R$ 24,07 pelos custos e R$ 8,02 pelos serviços prestados). E se trata de uma solução pela metade, pois o acordo foi firmado apenas com empresas de transporte de passageiros e encomendas. Os motoboys ficaram de fora da negociação e, assim, não seriam abarcados pela nova regra.
Todos usam o Uber, o iFood, a Loggi, entre outras tantas plataformas, e sabem de sua importância no mundo da velocidade das informações, da mobilidade, e enquanto consumidores, as plataformas políticas, na condição de consumidoras, certamente, estão satisfeitas. Mesmo assim, se fecham em copas para não discutir o que mais importa, a saber: como podemos regulamentar de alguma forma referidos trabalhos, olhando para cada modalidade, seja de entrega ou de transporte de forma que possamos manter essas relações de trabalho dentro de um espectro social aceitável no presente e numa visão de futuro.
A importância dessa discussão se torna absolutamente relevante, pois ao contrário das alterações ocorridas pós fordismo e taylorismo, quando se inicia a horizontalização das empresas, em que se retira de dentro das empresas atividades específicas e essas atividades e postos de trabalho migram para essas novas empresas, na era presente, esses postos de trabalhos não migrarão, tendo em vista a necessidade de mão de obra especializada e da existência da inteligência artificial, que poderá dispensar, em breve, até mesmo a presença do motorista.
É preciso, então, a existência de uma discussão com o mínimo de seriedade, inclusive ouvindo os trabalhadores que atuam em tais circunstâncias, para entender os reais pontos de vulnerabilidade. Um desses pontos, certamente, é o recolhimento de contribuições previdenciárias, que deveriam, numa visão ampla, em regra ser de responsabilidade das empresas. Contudo, como antedito, devemos separar em faixas de necessidades e de vulnerabilidades existentes, pois não é possível enquadrar num mesmo modelo um motorista da Uber com um entregador de bicicleta, visto que claramente possuem necessidades e vulnerabilidades diferentes.
*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado, especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor dos programas de mestrado e doutorado da Fadisp-SP